Mário Sergio Teixeira
Advogado Especialista em Licitações e Contratos Administrativos
A Lei n. 14.133/2021, ao revogar integralmente os dispositivos da Lei n. 8.666/1993, deixou de disciplinar expressamente a “forma de contratação” nos casos de concessão e permissão de uso de bens públicos, criando uma lacuna normativa relevante. Este artigo analisa tal omissão, abordando a legitimidade das soluções interpretativas propostas pelos Tribunais de Contas e explorando o exercício da competência suplementar dos entes subnacionais. Sustenta-se que, embora ausente regulamentação expressa, a prática administrativa encontra respaldo na jurisprudência consolidada, especialmente quanto ao uso do pregão por maior lance (pregão negativo) e à possibilidade de adoção de critérios técnicos objetivos para julgamento das propostas.
- INTRODUÇÃO
A edição da Lei n. 14.133/2021 representou uma mudança paradigmática no regime jurídico das contratações públicas. No entanto, não foram poucos os temas em que a nova legislação optou pelo silêncio ou pela regulamentação genérica, exigindo da doutrina, da jurisprudência e da Administração a tarefa de reconstrução hermenêutica.
Entre tais omissões, destaca-se a ausência de disciplina específica sobre o procedimento licitatório aplicável às concessões e permissões de uso oneroso de bens públicos. Embora o art. 2º, IV da nova Lei reconheça a incidência da norma sobre esses instrumentos, o diploma legal não estabelece a modalidade adequada, tampouco o critério de julgamento. - A LACUNA DA LEI 14.133/2021
A revogação do art. 23, §3º da Lei n. 8.666/1993 suprimiu a norma que previa, expressamente, a utilização da modalidade “concorrência” para a concessão de direito real de uso de bens públicos. A nova lei, embora mais moderna, não preencheu essa lacuna de modo direto, e tampouco previu mecanismos específicos para o julgamento por maior oferta em contratos que gerem receita à Administração.
Esse vácuo normativo tem gerado insegurança jurídica, especialmente quando a Administração busca contrapartidas não exclusivamente monetárias, como geração de empregos, investimentos ou impacto social. - A RESPOSTA DOS TRIBUNAIS DE CONTAS
A jurisprudência tem sido essencial para suprir a omissão legislativa. O Tribunal de Contas da União (TCU), em acórdãos paradigmáticos (Acórdãos 2844/2010, 478/2016), reconheceu a viabilidade do uso do pregão com critério de maior lance ou maior oferta, notadamente em concessões de uso de espaços públicos.
Em idêntico sentido, o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE/SC), ao analisar a Consulta @CON-24/00402366 (Prejulgado 2512), admitiu:
• A possibilidade de utilização do pregão eletrônico com critério de maior lance (pregão negativo);
• A viabilidade de adoção de critérios objetivos de contrapartida, como geração de empregos ou aportes de investimento;
• O uso da modalidade concorrência com critério técnica e preço, desde que justificadamente vinculada ao interesse público. - COMPETÊNCIA SUPLEMENTAR DOS ENTES FEDERADOS
Nos termos do art. 24, §2º da Constituição Federal, os Estados e Municípios podem editar normas próprias sobre licitação e contratos administrativos, desde que respeitem as normas gerais estabelecidas pela União.
Com a omissão da Lei n. 14.133/2021 quanto à forma de contratação nas concessões e permissões de uso de bens públicos, abre-se espaço legítimo para regulamentações locais que definam:
• Modalidade licitatória aplicável (pregão ou concorrência);
• Critérios de julgamento (maior lance, técnica e preço);
• Requisitos objetivos de avaliação das propostas.
Essa atuação normativa complementar deve, contudo, observar os princípios da legalidade, isonomia, competitividade e julgamento objetivo. - CONCLUSÃO
A ausência de regras específicas na Lei n. 14.133/2021 sobre concessões e permissões de uso de bens públicos não inviabiliza a atuação administrativa, mas impõe que suas decisões estejam sustentadas em:
• Práticas administrativas consolidadas;
• Jurisprudência dos Tribunais de Contas e do Poder Judiciário;
• Exercício legítimo da competência normativa suplementar.
A utilização do pregão eletrônico com critério de maior lance, bem como a adoção de critérios objetivos de julgamento em licitações para uso de bens públicos, deve ser compreendida não como inovação temerária, mas como adequação evolutiva ao princípio da eficiência e à busca pela proposta mais vantajosa.
Em um contexto de consolidação da Nova Lei de Licitações, a análise crítica e a atuação normativa dos entes subnacionais continuarão sendo fundamentais para preencher lacunas e assegurar segurança jurídica nas contratações públicas.
TEIXEIRA, Mário Sergio. A lacuna da Lei n. 14.133/2021 quanto à licitação para uso de bens públicos: uma análise à luz da jurisprudência e da competência suplementar dos entes. 2025. Artigo doutrinário. Disponível em: [xxxxxxxxxxxxxx]. Acesso em: [inserir data de acesso].